A Medida Provisória nº. 1.068, editada nesta segunda-feira (06/08), modifica o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014) e a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998) e proíbe as redes sociais de removerem conteúdo (incluindo fake news) sem justa causa ou motivação.
Regras para moderação em redes sociais
A MP adiciona novas definições ao Marco Civil da Internet, como a do que é “rede social” para os efeitos da lei e o que seria a moderação de conteúdo nestes ambientes.
Segundo o texto, as redes sociais são aplicações de internet cuja principal finalidade seja o compartilhamento de opiniões e informações por seus usuários. Além disso, devem permitir conexões entre os usuários em uma única plataforma e, necessariamente, devem ter mais de dez milhões de usuários registrados no país. Qualquer outro site que não se enquadre nesta definição não está sujeito às mudanças previstas pela MP.
A moderação em redes sociais é a suspensão da divulgação de conteúdo gerado por usuários ou a suspensão de sua conta ou perfil. Ou seja, a exclusão de posts ou de contas de usuários por parte da rede social.
Direitos dos Usuários
A Medida Provisória assegura aos usuários das redes sociais alguns novos direitos e garantias. Dentre eles, os direitos de:
- Acesso às políticas de moderação do conteúdo e critérios utilizados pela rede social para sua aplicação;
- Contraditório, ampla defesa e recurso nos casos de moderação de conteúdo;
- Restituição de qualquer conteúdo removido, como textos, imagens, etc.
- Reestabelecimento da conta ou do conteúdo no mesmo estado em que se encontrava, na hipótese de moderação indevida pelo provedor de redes sociais.
Além destes direitos, o texto proíbe as redes sociais de utilizarem critérios de moderação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa.
Exclusão de perfil ou conta de usuário
As redes sociais são proibidas de excluírem os perfis ou contas de seus usuários, exceto quando:
- Houver o inadimplemento do usuário;
- Contas falsas ou que se passem por terceiros (ressalvado o direito ao uso de nome social e o explícito ânimo humorístico ou paródico);
- Contas geridas por programas de computador (bots);
- Usuário que repetidamente posta conteúdo sujeito à exclusão conforme definido pela MP;
- Contas que ofertam produtos ou serviços que violem leis ou direitos; ou
- Cumprimento de determinação judicial.
Exclusão de conteúdo de usuário
Além da proibição da exclusão de contas e perfis, as redes sociais também são proibidas pela MP de excluírem conteúdo postado por usuários com a exceção dos casos listados abaixo:
- Conteúdo que fira o Estatuto da Criança e do Adolescente;
- Nudez ou pornografia;
- Prática ou incitação de crimes contra a vida, pedofilia, terrorismo, tráfico, entre outros;
- Apoio ou recrutamento a organizações criminosas ou terroristas;
- Prática ou incitação de atos de ameaça ou violência, inclusive por razões de discriminação ou preconceito de raça, cor, sexo, etnia, religião ou orientação sexual;
- Apologia ao uso de drogas ilícitas;
- Apologia a atos de violência contra animais;
- Utilização ou ensino do uso de computadores ou tecnologia da informação com o objetivo de roubar credenciais, invadir sistemas, comprometer dados pessoais ou causar danos a terceiros;
- Prática, apoio, promoção ou incitação de atos contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado;
- Utilização ou ensino do uso de aplicações de internet, sítios eletrônicos ou tecnologia da informação com o objetivo de violar patente, marca registrada, direito autoral ou outros direitos de propriedade intelectual;
- Infração às normas editadas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária referentes a conteúdo ou material publicitário ou propagandístico;
- Disseminação de vírus de software ou qualquer outro código de computador, arquivo ou programa projetado para interromper, destruir ou limitar a funcionalidade de qualquer recurso de computador; ou
- Comercialização de produtos contrários às disposições do Código de Defesa do Consumidor;
- Violação da intimidade, privacidade, imagem, honra ou proteção de dados pessoais; ou
- Cumprimento de determinação judicial.
Na prática, a MP limita a liberdade das redes sociais de definir suas próprias políticas de moderação (como regras do que pode ou não ser publicado). Assim, a liberdade prevista no Marco Civil da Internet para que cada site pudesse definir suas próprias regras (desde que não descumprindo as leis) de acordo com seus objetivos e interesses é substituída pela definição estatal do escopo destas regras.
A nova redação do Marco Civil da Internet traz uma homogeneidade às redes sociais, visto que a aplicação de regras diferentes é o que diferencia muitas vezes os ambientes de diferentes sites.
Outras situações nas quais pode ser importante excluir conteúdo também ficaram de fora da redação do texto. Assim, o texto não permite que redes sociais excluam conteúdo contendo desinformação, notícias falsas, distorcidas ou informações consideradas prejudiciais ou indesejadas pelos sites. Por este motivo, a MP chama atenção por dar uma “carta-branca” à publicação de “fake news” nas redes sociais.
Esta não é a única situação que foi deixada de fora das possibilidades de exclusão de conteúdo: por causa da Medida Provisória as redes sociais não poderão mais controlar spam não publicado por bots, venda de armas ou drogas lícitas, assédio, bullying, golpes financeiros, entre outros.
Multas e Sanções
Os provedores de redes sociais que não cumprirem as normas de exclusão de perfil e conteúdo, bem como as garantias de informação, ampla defesa e recurso dos usuários, estão sujeitas à advertências, multas de até dez por cento do faturamento do grupo econômico no Brasil, multa diária ou até mesmo suspensão temporária das atividades e proibição do exercício das atividades.
A Medida Provisória 1.068/2021 tem efeito imediato no que diz respeito à proibição da suspensão de contas e remoção de conteúdo, e as redes sociais terão até 30 dias para atualizarem seus termos de uso de acordo com as novas exigências legais. A Medida Provisória 1.068/2021 deverá, no entanto, ser analisada pelo Congresso Nacional em até 60 dias (que se prorroga em mais 60 caso não seja analisada) para que se converta definitivamente em lei ordinária. Caso o Congresso não aprove a MP nesse prazo, o texto perde sua validade legal.
ISOC Brasil se posiciona a respeito da MP 1068/2021
Confira a trecho da ISOC Brasil, onde rechaça MP 1.068/2021:
A ISOC Brasil, capítulo brasileiro da Internet Society, a partir do esforço de seu Grupo de Trabalho (GT) sobre Responsabilidade de Intermediários, manifesta sua forte contraposição à Medida Provisória nº 1068, deste 06 de setembro de 2021, que prejudica gravemente o regime jurídico brasileiro previsto no Marco Civil da Internet (MCI) ao estabelecer, como regra, a vedação à moderação de conteúdos e contas em redes sociais.
A Medida Provisória (MP) apresenta uma série de falhas de enorme gravidade:
– Editada em data social e política controversa, e desconsiderando a existência de debate em curso no Congresso Nacional, a MP não evidencia relevância e urgência necessárias para criação de norma legal ordinária pelo Poder Executivo;
– A MP altera apressadamente o modelo atual de responsabilidade de intermediários vigente, sem base em nenhum diálogo com a sociedade civil ou sequer com o CGI.br, na contramão da natureza participativa da construção do MCI, e em desrespeito à postura multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática que, conforme previsto na Lei, deve guiar a atuação da União no desenvolvimento da internet no Brasil;
– Invertendo a lógica vigente, a MP reduz a liberdade de as empresas definirem como seus serviços funcionam, ao proibir as redes sociais de, sem decisão judicial, removerem conteúdos ou contas que não observarem seus termos de uso;
– A MP somente autoriza a moderação nas situações taxativas de “justa causa”, listadas de modo arbitrário, insuficiente e atécnico, o que dificultará o combate à desinformação, ao discurso de ódio e ao bullying, graves problemas não constantes entre as exceções passíveis de moderação célere pelas provedoras de aplicações online; e
– Impondo as mesmas restrições para a moderação de conteúdo objeto de direito autoral, a MP prevê a obrigação de se restabelecer qualquer publicação não enquadrada como “justa causa”, à exceção apenas mensagens instantâneas e comercialização de bens e serviços.
A ISOC Brasil e seu GT sobre Responsabilidade de Intermediários, firmes em seu propósito de preservar o regime jurídico previsto no Marco Civil da Internet, ressaltam a pertinência de seu Decálogo de Recomendações sobre o Modelo Brasileiro de Responsabilidade de Intermediários.
Adicionalmente, assim como muitas outras organizações e vozes importantes, alertamos para a necessidade da devolução ou revogação desta MP, a fim de se a garantir o mínimo de debate para o seu aprimoramento; e chamamos os diversos atores da sociedade civil, da academia, do poder público e do setor privado para que se manifestem no debate sobre a regulação de discursos online, que deve prosseguir no Congresso Nacional, no âmbito do Projeto de Lei nº 2630/20, já aprovado no Senado e neste momento em discussão na Câmara dos Deputados.
OAB emite parecer sobre inconstitucionalidade da MP 1.068/21
O Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) encaminhou ao Congresso Nacional, para o Senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) um parecer pelo qual sustenta que a Medida Provisória 1.068/21, que limita a atuação das redes sociais e dificulta a exclusão de perfis e conteúdos, é inconstitucional.
Abaixo destacamos alguns trechos do parecer da OAB. Em seguida, disponibilizamos o PDF do parecer da OAB enviado ao Congresso.
“Conclui o presente parecer pela latente inconstitucionalidade formal e material da Medida Provisória no 1.068, de 6 de setembro de 2021, notadamente por, além de fundamentar-se em premissas incorretas e/ou falaciosas, não ter demonstrado, ainda que minimamente, a presença dos requisitos de relevância e urgência a permitir o exercício excepcional da competência legislativa pelo Presidente da República exigidos pelo art. 62 da Constituição da República.”
“a Medida Provisória, à toda evidência, visa proibir as plataformas de atuarem espontaneamente no combate à desinformação, à disseminação de informações inverídicas relacionadas a questões de saúde pública e também a discursos tendentes a fragilizar a ordem democrática e integridade do processo eleitoral brasileiro, haja vista que condutas e conteúdos dessa natureza não se encontram nas hipóteses de ‘justa causa’ para a atuação das plataformas sem intervenção judicial”.
“É possível concluir do cotejamento da Medida Provisória e das motivações expressas pelo Poder Executivo que o objetivo da medida é coibir que os provedores de redes sociais possam agir espontaneamente para combater verdadeiras manifestações abusivas e ilegais contra a ordem democrática, o processo eleitoral ou a saúde pública que sejam, contudo, simpáticas às preferências do governo atual. Também visa coibir a moderação do discurso de ódio, que atualmente é instrumentalizado para a radicalização política e partidária , corroendo o debate político público democrático. Com devido respeito, tal proceder revela severo vício de desvio de finalidade contrário aos princípios da administração pública definidos pela Constituição Federal.”
Aliás, a função social dos provedores de redes sociais constitui importante vetor para o exercício de sua atividade econômica, o que lhes impõe deveres positivos de orientar seus usuários na construção de uma esfera pública democrática e que respeite direitos individuais e coletivos.
Diante da grande influência das mídias sociais no contexto político, social e econômico atual e a necessidade de busca por mecanismos de combate, sem, todavia, afetar a liberdade de expressão assegurada constitucionalmente, a Medida Provisória constitui verdadeiro e inaceitável retrocesso social e legislativo, podendo colocar o Brasil no mapa da insegurança jurídica.
Diante de todo o exposto, conclui o presente parecer pela latente inconstitucionalidade formal e material da Medida Provisória nº 1.068, de 6 de setembro de 2021, notadamente por, além de fundamentar-se em premissas incorretas e/ou falaciosas, não ter demonstrado, ainda que minimamente, a presença dos requisitos de relevância e urgência a permitir o exercício excepcional da competência legislativa pelo Presidente da República exigidos pelo art. 62 da Constituição da República.
Ademais, é assente a inconstitucionalidade em sua dimensão material, tendo em vista a violação das liberdades de expressão e informação, e das garantias da livre iniciativa e livre concorrência, bem como a disseminação de desinformação.
Ministra Rosa Weber pede explicações ao presidente sobre MP
A ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber deu 48 horas para o presidente Jair Bolsonaro dar explicações sobre a MP que altera o Marco Civil da Internet e a Lei de Direitos Autorais.
“Diante da natureza da medida liminar requerida, a qualificar a urgência da análise dos pedidos, e da relevância do problema jurídico-constitucional posto, requisitem-se informações prévias ao senhor presidente da República no prazo de 48h (quarenta e oito horas)”