Dentre as diversas promessas que surgiram com o crescimento da Internet, uma das mais amplamente discutidas diz respeito ao poder da rede de democratizar o acesso ao conhecimento e consequentemente expandir os espaços de participação política. A Internet cresce como amplo espaço em que os cidadãos que a ela têm acesso podem exercer seus direitos de liberdade de expressão, de reunião e associação, bem como o direito à informação e à ter suas opções consideradas por meio de consultas públicas e abaixo-assinados.
Porém, não se pode ignorar que a complexidade da internet e dos diversos atores que por meio dela atuam faz com que cada vez mais seja exigida uma participação ativa do Estado para a garantia e manutenção da Internet como espaço de livre exercício dos direitos.
Exemplos como os escândalos da Cambridge Analytica e o crescimento das redes de desinformação e do compartilhamento em massa de notícias e informações falsas demonstram como o Direito Eleitoral é uma das áreas que exige maior atenção e cuidado no ambiente virtual, até por serem as eleições um dos principais alvos de atores mal-intencionados.
A pandemia do COVID-19 faz com que as campanhas em preparação para as eleições de 2020 e 2022 sejam as mais digitais da história. Com isso, podemos prever também um grande crescimento dos crimes eleitorais na internet, sejam estes praticados por atores mal-intencionados ou até mesmo por candidatos, cabos eleitorais e até eleitores que não tem consciência de como o ambiente de campanha eleitoral está transposto para o meio digital e das consequências de suas ações online.
Tendo isto em vista, separamos alguns dos principais Crimes Eleitorais que podem ser recorrentes ou relevantes no contexto das campanhas na Internet.
Crimes Eleitorais na Internet
→ Propaganda Eleitoral Antecipada
A propaganda eleitoral, seja ela online ou em qualquer outro meio, não é definida especificamente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou pela legislação eleitoral brasileira, mas é possível definir o que é e o que não é propaganda eleitoral a partir de seus limites.
Além dos limites do que não se pode fazer em uma campanha eleitoral, a partir de 2015 também temos em nossa legislação eleitoral alguns exemplos de ações que são permitidas e protegidas no âmbito da propaganda eleitoral antecipada.
Assim, antes de falar das propagandas que são proibidas antes do período eleitoral, citamos a permissão dada para propagandas em que não há pedido expresso de voto.
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:
I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;
III – a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;
IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;
V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;
VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.
VII – campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei.
Em 2020 o calendário eleitoral foi modificado em decorrência da pandemia do COVID-19. Por causa disso, a data de início da campanha eleitoral foi marcada para o dia 27 de setembro de 2020. A partir desta data era permitida a propaganda eleitoral, inclusive pela internet.
Sendo assim, podemos concluir que é proibida qualquer ato, na internet ou fora dela, em que haja o pedido expresso de voto antes do dia 27 de setembro. A propaganda com pedido expresso de voto antes desta data é configurada como propaganda antecipada e pode gerar multa para o candidato ou candidata. Esta multa está sujeita tanto para o responsável por sua veiculação quanto para o candidato, e pode ir de R$5.000,00 a R$25.000,00, ou o equivalente ao valor da propaganda, caso ultrapasse estes valores.
→ Boca de Urna
Nos dias do pleito eleitoral, que em 2020 foram em 15 e 29 de novembro, e em 2022 está marcado pro dia 2 de Outubro e 30 de Outubro, conforme informou o TSE, determinadas condutas que tem como objetivo influenciar a vontade do eleitor que estão dispostas no artigo 39, § 5º são proibidas, com pena de detenção de seis meses a um ano.
Nestes dias, independente do local onde ocorram, perto ou longe dos locais de eleição, online ou offline, os atos de propaganda eleitoral são proibidos.
A Lei n. 13.488/2017 adiciona aos atos proibidos nos dias de eleições
“a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet de que trata o art. 57-B desta Lei, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente.”
Ou seja, é proibida a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdo no dia das eleições:
- Em sites do candidato ou candidata;
- Em site do partido ou da coligação;
- Por meio de mensagens eletrônicas para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação;
- Por meio de blogs, redes sociais e aplicativos de mensagem eletrônica cujo conteúdo seja gerado ou editado pelos candidatos, partidos ou coligações.
Assim, o candidato, partido ou coligação podem publicar, administrar e até impulsionar conteúdo, desde que de acordo com as regras específicas para tal, até a véspera do dia da eleição. No dia em que ocorrerá o pleito eleitoral, qualquer postagem ou impulsionamento é proibido e considerado boca de urna.
A legislação eleitoral atual não é clara sobre a possibilidade do compartilhamento ou da criação de conteúdo pelo eleitor no dia das eleições poder ser considerada boca de urna. Enquanto ao eleitor é permitida a “manifestação silenciosa”, por meio de broches, bandeiras, adesivos, não há disposição específica sobre o posicionamento na internet.
Enquanto não há decisão do TSE em contrário, podemos imaginar que prevaleça a liberdade de expressão do eleitor que se utilize da internet para se expressar politicamente, desde que de acordo com as demais leis e regras sobre o conteúdo que pode ser publicado.
→ Crimes contra a Honra
Como citamos acima, para além das regras específicas sobre o momento em que é permitido ou não o compartilhamento e a publicação de propaganda eleitoral, também existem limites acerca do conteúdo desta propaganda. Os crimes contra a honra são alguns dos limites existentes para a liberdade acerca do conteúdo das postagens online de cunho político.
Os crimes contra a honra são três: calúnia, difamação e injúria. Por serem crimes previstos no Código Penal, não seria necessário nenhum esclarecimento a mais para que estes também fossem aplicáveis no contexto eleitoral. Ainda assim, o legislador resolveu por colocar estes três crimes também no Código Eleitoral, quando praticados na propaganda eleitoral ou visando a fins de propaganda.
A Justiça Eleitoral tem o dever de zelar pela interferência mínima no âmbito da liberdade de expressão dos candidatos e eleitores. Isto significa que, no combate aos crimes contra a honra, a calúnia, difamação e injúria não podem ser confundidas com as opiniões e críticas ao candidato focadas em sua atuação como agente público.
Segundo o Código Eleitoral, constituem crimes contra a honra:
Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena – detenção de seis meses a dois anos e pagamento de 10 a 40 dias-multa.
Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 30 dias-multa.
Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.
Como destacado acima, o que diferencia os três crimes é o fato de que a Calúnia consiste em imputar a alguém um crime pelo qual a pessoa não tenha sido condenada de modo irrecorrível, a difamação consiste em imputar um fato ofensivo a reputação da pessoa e a injúria consiste de ofender a dignidade ou decoro da pessoa.
→ Crimes de Influência do Eleitorado
Existem diversas situações em que os crimes de influência do eleitorado podem ser efetuados por meio da internet. Constitui crime toda vez que, por meio da internet e das redes sociais ou não, se pratica uma destas ações:
- Oferecer, prometer e solicitar vantagens em troca de votos ou de abstenção de voto;
- Quando servidores públicos se utilizam de grave ameaça para coagir usuários em troca de votos ou de abstenção de voto;
- Quando indivíduos se utilizam de grave ameaça para coagir usuários em troca de votos ou de abstenção de voto;
- Quando se viola ou tenta violar o sigilo de voto.
Todas estas situações, tipificadas em relação ao ambiente offline, podem ser efetuadas online, o que implica na prática dos crimes de influência do eleitorado.
Do mesmo modo, é proibida a divulgação de fatos que o autor sabe serem inverídicos, em relação a partidos ou candidatos, na propaganda política. Esta proibição pode gerar pena de dois meses a um ano ou pagamento de multa, quando comprovado o dolo direto (conhecimento da inveracidade da informação) do agente que efetuou a divulgação da informação inverídica.
Dentro ou fora do ambiente da internet, o grande desafio da persecução deste crime é a comprovação de que o agente estava consciente da inveracidade do fato que divulga. O Poder Judiciário encontra grande dificuldade em aplicar a proibição, já que esta exige a comprovação:
- De que a informação divulgada é inverídica;
- De que o agente sabia da inveracidade da informação ao divulgá-la;
- De que a informação falsa tem potencial de influenciar o eleitorado.
Questões e Problemáticas jurídicas das eleições na Internet
→ Responsabilização nas redes
Diversas das situações citadas acima exigem a responsabilização do usuário na internet, tanto nas esferas civil quanto penal. Esta responsabilização pode ser complexa, ainda que diversas leis tratem de seus aspectos específicos.
Um primeiro ponto de complexidade consiste da identificação do usuário na internet.
A identificação do usuário, segundo o Marco Civil da Internet, só pode ser efetuada por meio de ordem judicial. Para que os registros necessários sejam fornecidos, o demandante deve apresentar:
- Fundados indícios da ocorrência do Ilícito;
- Justificativa motivada da utilidade dos registros para a investigação em questão;
- O período ao qual os registros buscados se referem.
Estas três exigências entram em confronto direto, por exemplo, com a questão tratada acima da divulgação de informação inverídica. Isto ocorre porque, sem saber o autor da propaganda contendo informação falsa, não é possível comprovar que este era consciente da inveracidade da informação. Não tendo comprovada a consciência e o dolo direto do autor, pode-se considerar não haver fundado indício da ocorrência do ilícito, por exemplo.
Para poder identificar quem é o autor de uma determinada ação nas redes, são necessárias duas peças de informação:
- Primeiro, é necessário reconhecer o provedor de aplicações de internet que fornece o serviço a partir do qual a ação foi tomada. Os provedores de aplicações, que consistem das grandes plataformas como Google e Facebook mas não somente, são os detentores dos registros de acesso à aplicação. Estes registros informam qual o endereço de IP e em qual data e horário uma determinada ação foi feita nas aplicações de internet.
- Tendo obtido os registros de acesso à aplicação, o próximo passo para a identificação do usuário consiste de verificar com o provedor de conexão à internet (que são as operadoras de internet como Net, Oi, Claro) seus registros de acesso e de conexão, por meio dos quais os provedores de conexão podem identificar de qual endereço ou chip de celular foi efetuada a conexão por meio da qual se efetuou a ação em questão.
Informações como contas em plataformas ou dados cadastrais podem servir de evidência para encontrar o responsável pela ação, porém não consistem necessariamente em garantias de autoria, sendo menos efetivas do que o encontro do endereço de IP utilizado.
Porém, é importante ressaltar que nem mesmo o reconhecimento do endereço de IP é completamente eficaz. Por exemplo, o Marco Civil da Internet estabelece períodos pelos quais os provedores de aplicação e conexão são obrigados a manter os registros guardados, porém se for necessário encontrar um registro de alguma ação ocorrida a mais tempo que os períodos de guarda exigidos pela lei, é possível que nem mesmo os próprios provedores tenham as informações buscadas.
Também é possível que o usuário efetue suas ações por meio de tecnologias que permitam a ocultação de sua identidade, como por exemplo por meio do browser TOR, que permite que os usuários utilizem endereços de IP de terceiros de modo a “embaralhar” a identificação de seu endereço.
Outro problema que se torna cada vez mais comum consiste de quando os provedores de conexão compartilham um mesmo endereço de IP entre diversos clientes, para fins de economizar seus endereços uma vez que já existem mais usuários do que endereços IP disponíveis. Esta situação, que não foi prevista, por exemplo, pelo Marco Civil da Internet, pode dificultar a identificação de um usuário específico.
E as plataformas, como o Facebook e o Whatsapp, por meio das quais grande parte dos crimes eleitorais na internet são efetuados? Elas não tem responsabilidade a respeito desses crimes eleitorais?
O entendimento geral pelo TSE é o de que os provedores de aplicação (e também os de conexão) são responsáveis pelo conteúdo publicado sob sua atuação somente após o descumprimento de decisão judicial anterior para a remoção de conteúdo ilícito. Ou seja, os provedores não são responsáveis pelo conteúdo por meio deles postado, porém após decisão judicial exigindo a remoção do conteúdo, caso os provedores não removam em tempo razoável, passam a poder ser responsabilizados pelo conteúdo.
→ Direito de Resposta
Os candidatos, partidos e coligações têm assegurado o Direito de Resposta segundo o Direito Eleitoral brasileiro, e isto inclui as ações e fatos ocorridos pela internet.
Isto quer dizer que os candidatos, partidos e coligações que tenham sido atingidos por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica difundido por qualquer veículo de comunicação social, incluindo a internet, podem se defender destas ofensas ou fatos sabidamente inverídicos por meio do Direito de Resposta.
O pedido de exercício do direito de resposta está condicionado ao respeito de alguns prazos específicos. Quando se tratando de conteúdo divulgado na internet, a Lei 13.188/2015 traz o prazo específico. O ofendido ou seu representante legal podem exigir o exercício do direito de resposta à Justiça Eleitoral “a qualquer tempo, quando se tratar de conteúdo que esteja sendo divulgado na internet, ou em 72 horas após a sua retirada”.
Ou seja, para conteúdos caluniosos, difamatórios, injuriosos ou sabidamente inverídicos, o candidato ou candidata pode exercer seu direito de resposta a qualquer momento. Quando o conteúdo em questão é removido das redes, o candidato tem o prazo de 72 horas após a remoção para exigir seu direito.
Considerando que a Reforma Eleitoral de 2017 autorizou o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral, também se atualizou o exercício de direito de resposta, sendo incluída na alínea “a” do artigo 58 da Lei 13.188/2015 a obrigatoriedade de que o conteúdo por meio do qual se efetua o direito de resposta recebe o mesmo impulsionamento de conteúdo eventualmente contratado para impulsionar o conteúdo que gerou a requisição do direito de resposta.
Novamente, para o exercício do Direito de Resposta, é necessário que seja sopesada a liberdade de expressão dos usuários, sendo desejável a interferência mínima do judiciário, agindo somente nos casos em que o conteúdo em questão realmente consista de crime contra a honra do candidato ou de informação sabidamente falsa.
Adaptado de:
- Francisco Brito Cruz et al., Direito Eleitoral na Era Digital, Casa do Direito, 2018
- Diogo Rais (coord.) Direito Eleitoral Digital, Revista dos Tribunais, 2018.
Time BL Consultoria Digital – Direito Digital e Análise Regulatória
Este artigo “Crimes Eleitorais na Internet“ foi escrito Por Rodrigo Glasmeyer. Esse texto foi revisado por MSc. Thiago Lima. Conheça o BL Consultoria Digital, acesse aqui!