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Inteligência Artificial no judiciário brasileiro

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O tema Inteligência Artificial não é algo novo na computação e tem sua origem em meados do século XIX, quando Ada Lovelace desenvolve o que foi reconhecido como o primeiro algoritmo implementado por um computador. Após décadas de desenvolvimento teórico e prático, perpassando pelos experimentos de Alan Turing e pela criação das Leis da Robótica de Isaac Azimov até o desenvolvimento do Google Duplex chegando em Sócrates, IA utilizada no judiciário brasileiro.

Neste artigo, vamos apresentá-los à temática da Inteligência Artificial, como ela vem sendo utilizada pelo judiciário brasileiro bem como as implicações no seu uso. Vamos lá?!

Inteligência Artificial no judiciário brasileiro
Inteligência Artificial no judiciário brasileiro

Para início de conversa, precisamos definir e desmistificar o que é a Inteligência Artificial.

O que é a Inteligência Artificial?

Por Inteligência Artificial entende-se todo sistema computacional que simula a capacidade humana de raciocinar e resolver problemas, por meio de tomadas de decisão baseadas em análises probabilísticas. [1] No entanto, a IA não substitui o gênio e a criatividade humanos, mas facilita e permite o processamento de uma vasta gama de informações que, uma vez analisados, levam à possibilidade de tomadas de decisão, seja por humanos ou máquinas de forma cada vez mais veloz.

Ao longo dos últimos 60 anos, o desenvolvimento da chamada Inteligência Artificial (IA) representou uma das principais fronteiras referentes à capacidade de atuação das máquinas. Ao longo destas décadas, a tecnologia foi se aprimorando, e a Inteligência Artificial deixou de ser somente baseada na reprodução do conhecimento já existente inserido por meio de código dentro da máquina e passou a implementar modelos de aprendizado estatístico, como o chamado Machine Learning, com o objetivo de oferecer resultados diferentes dos programados inicialmente. 

Temos que o objetivo do desenvolvimento de IA é a aceleração de processos de aprendizado e a otimização de seus resultados, visando uma maior eficiência e reduzindo o tempo de análise de dados necessário para a tomada de decisão.

Essa eficiência na análise de dados refletindo na velocidade de tomada de decisão deu a origem ao Dataísmo, que segundo Yuval Harari, consiste na ideia de que algoritmos e sistema computacionais são capazes de analisar enormes fluxos de dados para geração de conhecimento de forma mais eficaz que os humanos. Isto porque, segundo os dataístas, os humanos não estão mais preparados para lidar com os enormes fluxos de dados, ou seja, não conseguem mais refiná-los para obter informação, muito menos para obter conhecimento ou sabedoria. [2]

Desde o algoritmo do Youtube que indica e recomenda vídeos com base na utilização da plataforma pelo usuário, aos assistentes inteligentes como a Siri e Alexa, os resultados práticos das máquinas que se utilizam de aprendizado estatístico para adaptar suas respostas ao mundo real se tornam cada vez mais parte de nosso cotidiano. 

Uma das bases para o desenvolvimento de uma IA é a presença de um grande número de dados, a partir dos quais a máquina pode fazer suas análises, formular padrões, criar inferências que a permitam desenvolver suas “linhas de raciocínio” para tratar de situações novas com base no que aprendeu a partir das situações já presentes nas bases de dados que a alimentou.

Como a Inteligência Artificial vem sendo utilizada no universo jurídico?

O universo jurídico oferece uma enorme gama de dados, áreas e situações em que uma IA pode se desenvolver. Escritórios de advocacia e Legal Techs já desenvolvem aplicações de Inteligência Artificial para organizar documentos, capturar movimentações dos tribunais, acompanhar prazos e compromissos e até mesmo mapear e desenvolver estratégias de litígio. 

Os tribunais brasileiros também começaram a buscar na Inteligência Artificial possíveis soluções para diversos problemas que obstam a prática jurídica e travam o funcionamento do judiciário como um todo. A seguir, apresentamos alguns projetos e aplicações que utilizam a IA em curso no Brasil.

Como a Inteligência Artificial vem sendo utilizada no universo jurídico?
Como a Inteligência Artificial vem sendo utilizada no universo jurídico?

PJe: Processo Judicial Eletrônico

O PJe (Processo Judicial Eletrônico) é um software elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a partir da experiência e com a colaboração de diversos tribunais brasileiros. O PJe surgiu com o objetivo de se tornar um sistema único para incorporar diversos tribunais do país, sendo atualmente o Sistema Eletrônico oficial do Poder Judiciário.

Dentre suas diversas funções, o PJe converte, digitaliza e autentica documentos, possibilitando a prática de atos processuais pelos magistrados, servidores e demais participantes da relação processual diretamente no sistema, assim como o acompanhamento desse processo judicial, independentemente de o processo tramitar na Justiça Federal, na Justiça dos Estados, na Justiça Militar dos Estados e na Justiça do Trabalho. Atualmente o sistema é utilizado nos tribunais de Justiça TJPE, TJRN, TJRO, TJMG, TJMT, TJMA, TJPB, TJBA, TJCE, TJPI, TJDFT, TJES e TJPA, bem como nos tribunais de Justiça Militar Estadual (TJMMG e TJMSP), nos 24 tribunais regionais do Trabalho (TRTs), além do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), o da 3ª Região (TRF3) e o da 5ª Região (TRF5) e em todos os tribunais da Justiça Eleitoral (Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os TREs).

Em 2018 foram registrados 20,6 milhões de casos no ambiente do PJe, quase 85% do total de processos na Justiça Brasileira, sendo que no primeiro grau da Justiça do Trabalho esse índice alcança a casa dos 100%. 

O CNJ está atualmente implementando o chamado Laboratório de Inovação do Processo Judicial em meio Eletrônico, conhecido como INOVA PJe, que terá como algumas de suas principais metas e objetivos implementar e desenvolver a utilização de Inteligência Artificial na plataforma do PJe, bem como por todo o Poder Judiciário brasileiro.

O INOVA PJe contará com um Centro de Inteligência Artificial, que terá como objetivo orientar quais ferramentas deverão ser desenvolvidas utilizando a IA, a partir de sua expertise técnica e intelectual nos temas relacionados com esta tecnologia. Desenvolverá também uma base nacional de dados jurídicos para treinar as ferramentas desenvolvidas e compartilhará com a comunidade os modelos de IA e algoritmos desenvolvidos e estudados.

Inteligência Artificial nos Tribunais Superiores

Inteligência Artificial nos Tribunais Superiores

Inteligência Artificial no judiciário: Victor (STF)

Construída em parceira entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e um time da Universidade de Brasília (UnB), a ferramenta Victor é batizada em homenagem ao ex-ministro da corte Victor Nunes Leal, um dos principais responsáveis pela sistematização da jurisprudência do STF em súmulas.

Utilizando-se de ferramentas de Machine Learning para reconhecer e identificar padrões em documentos no formato PDF, a ferramenta analisa automaticamente as matérias tratadas por cada recurso que chega ao STF e identifica se o recurso apresenta matérias que a corte já tenha decidido por não examinar. Assim, possibilita uma filtragem automática dos milhares de recursos enviados à suprema corte anualmente. Este processo, que feito manualmente pelos servidores do Tribunal leva em média 44 minutos, é efetuado pela ferramenta em  aproximadamente 5 segundos.

Outra função do Victor consiste na separação e classificação das peças dos recursos extraordinários que chegam à corte. A análise e classificação efetuada pela Inteligência Artificial leva, em média, 5 minutos, enquanto este mesmo processo costuma demorar em média 30 minutos para ser efetuados pelos servidores do STF.

É importante pontuar, porém, que o Victor não julga nenhum caso do STF, tendo somente um papel semelhante ao de um servidor do tribunal, e todas as decisões e julgamentos de recursos continuam sob a responsabilidade dos ministros. 

Inteligência Artificial no judiciário: Sócrates (STJ)

A ferramenta Sócrates, desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça, tem como principais objetivos automatizar o exame de cada recurso encaminhado ao Tribunal e das decisões prévias do processo.

Indo um pouco além na participação no julgamento do que a ferramenta Victor, por exemplo, o Sócrates recomenda fontes normativas e precedentes jurídicos relacionados com os recursos analisados para os ministros do Tribunal, chegando até a fornecer recomendações de ação para estes. 

Inteligência Artificial nos Tribunais Estaduais

Inteligência Artificial no judiciário: SINAPSES

O sistema SINAPSES, desenvolvido pelo TJRO como uma ferramenta para otimizar a performance de tarefas repetitivas e para assegurar maior segurança jurídica dentro do ambiente do Tribunal, vem sendo identificado pelo CNJ como um importante componente para a difusão da utilização da IA no judiciário brasileiro.

Isso ocorre porque o sistema está elaborando uma ferramenta que servirá como uma plataforma aberta para o desenvolvimento de IA no judiciário, disponibilizando os algoritmos que desenvolveu para utilização conjunta com o PJe, mas também possibilitando a integração do sistema por tribunais que não utilizem o Processo Judicial Eletrônico. Assim, por meio da utilização das ferramentas disponibilizadas pelo SINAPSES, tribunais que não detém equipes próprias de desenvolvimento de Inteligência Artificial poderão utilizar os algoritmos já desenvolvidos. Além disso, os demais tribunais e desenvolvedores poderão reutilizar, adaptar e até incluir novos algoritmos no sistema.

Inteligência Artificial no judiciário: Leia

A ferramenta do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) tem como principal função conectar cada processo a precedentes dos tribunais superiores.

Inteligência Artificial no judiciário: Hércules

Desenvolvida pelo Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) em conjunto com a Universidade Federal de Alagoas, a ferramenta Hércules impede que os servidores do tribunal precisem efetuar trabalhos repetitivos, registrando quais atividades já foram concluídas e quais são repetidas. 

Inteligência Artificial no judiciário: RADAR

A ferramenta RADAR, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), busca identificar e separar recursos que lidam com matérias jurídicas semelhantes ou que possuem precedentes nos Tribunais Superiores ou em Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). 

Inteligência Artificial no judiciário: ELIS

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) desenvolveu a ferramenta ELIS para organizar e administrar documentos, datas, prazos e dados dos processos diretamente para os juízes que irão julgar cada caso. 

Inteligência Artificial no judiciário: Poti, Clara e Jerimun

As três ferramentas desenvolvidas conjuntamente pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) tem como funções categorizar e classificar processos automaticamente, desenvolver recomendações referentes às próximas ações a serem tomadas em um determinado processo (que serão sempre supervisionadas por um servidor do Tribunal) e efetuar o bloqueio e desbloqueio de contas bancárias em um sistema que conecta o TJRN ao Bacenjud.

Ainda que os projetos em desenvolvimento não tenham como escopo central a tomada de decisão, há a necessidade de analisar os potenciais efeitos da relação juiz versus I.A. Neste sentido, alguns questionamentos sobre a interação juiz-IA nos vem à tona:  Qual o impacto do relatório emitido pelos auxiliares (Sócrates e Victor) no processo de tomada de decisão dos juízes dos respectivos tribunais? É possível uma definição matemática de justiça? Como se dará a governança algorítmica dessas aplicações?  

Recomendações sobre o uso da Inteligência Artificial no judiciário brasileiro

O desenvolvimento de aplicações da Inteligência Artificial para ampliar suas funções no judiciário brasileiro depende de algumas medidas. Um estudo da Columbia University em conjunto com o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro apresentaram uma série de recomendações para o desenvolvimento futuro da IA no judiciário brasileiro.

Entre estas recomendações [3] estão:

  • Identificação de ferramentas de IA no judiciário brasileiro e no mundo
  • Integração do Sistema Judiciário atual
  • Aumento da colaboração entre os tribunais
  • Fortalecimento do modelo INOVA-PJe
  • Estabelecimento de uma Agenda para a Implementação da Inteligência Artificial no Judiciário
  • Medidas de facilitação da participação do setor privado no desenvolvimento de IA para o judiciário 

As implicações do uso da Inteligência Artificial no judiciário

Diferentes países adotam diferentes posições frente à utilização de Inteligência Artificial em processos relacionados ao Poder Judiciário e aos tribunais. 

As implicações do uso da Inteligência Artificial no judiciário
As implicações do uso da Inteligência Artificial no judiciário

Nos Estados Unidos, país onde técnicas de Machine Learning e outras utilizações de IA são comuns para guiar o cotidiano das forças policiais, ditando quais regiões e bairros devem ser mais policiadas e até mesmo influenciando as decisões de juízes sobre a liberdade de presos, como no já infame exemplo do algoritmo que calculava a probabilidade de um preso cometer um crime novamente após solto e que demonstrou resultados que beneficiavam presos brancos e discriminavam contra presos negros, pesquisadores da Universidade de Stanford e da Universidade de Nova Iorque submeteram um relatório sobre a IA à Conferência Administrativa dos Estados Unidos. 

No relatório, os pesquisadores afirmam que há um grande potencial de que viéses existentes na sociedade sejam replicados e até amplificados pelas técnicas de Machine Learning, que somente replicam o que aprendem, sem analisar se os dados que tem como fonte estão corretos ou representam situações justas. Os efeitos desse enviesamento (Algorithm bias) quando atrelados à questões jurídicas podem ter consequências desastrosas, seja no aspecto coletivo ou individual.  Assim, apresentam recomendações como realizar auditorias nos algoritmos em utilização, desenvolver estruturas de governança que permitam que as decisões dos algoritmos sejam verificadas e analisadas por profissionais competentes e desenvolver planos de ação frente à falhas decorrentes das ações da Inteligência Artificial.

Na União Europeia, a Comissão Europeia publicou o documento “Whitepaper sobre a Inteligência Artificial – uma abordagem europeia voltada à excelência e a confiança”. Nele, identifica que o ponto central para a implementação de IA em serviços públicos é a criação de um “ecossistema de confiança”. Para atingir este objetivo, o documenta enumera algumas recomendações sobre medidas técnicas que devem ser implementadas para otimizar os resultados da IA, dispondo sobre requisitos para os dados de treino utilizados para desenvolver a IA, a conservação de registros e de dados, que permitam a transparência no processo, bem como a auditoria das ferramentas, algumas garantias mínimas referentes à robustez e à acurácia dos sistemas e dos resultados e focando sempre na necessidade de supervisão humana para os processos desenvolvidos pela inteligência artificial.

Outros exemplos que podem ser citados são o da Estônia, país que tem um longo histórico de digitalização dos serviços públicos e é um dos pioneiros e mais desenvolvidos países no âmbito do desenvolvimento de governo digital e a França, país que seguiu uma linha dura frente à implementação de Inteligência Artificial no judiciário, chegando a proibir a prática da jurimetria no país, que consiste da análise automática dos históricos de decisão dos juízes com o objetivo de prever qual a opinião de cada juiz sobre cada tipo de caso ou de tese.  

No Brasil e no mundo, a aplicação de Inteligência Artificial no judiciário encontra barreiras e desafios relacionados com a sua compatibilidade com limites éticos e com os limites constitucionais que regem o judiciário nos Estados Democráticos de Direito.

É importante que a aplicação da IA leve em consideração, por exemplo, que os processos de Machine Learning que envolvem as chamadas black boxes (caixas pretas), que consistem de algoritmos cujas decisões não são passíveis de auditoria e de revisão, representam um risco para a obtenção de resultados que respeitem os princípios democráticos e respeitem os direitos dos cidadãos.

Como citado acima, ferramentas que implementam a IA podem gerar resultados que ferem direitos fundamentais, como nos casos em que estas tecnologias apresentam em seus resultados discriminações de raça e de gênero. Outro problema que precisa ser respondido diz respeito à responsabilidade: no caso de uma ferramenta com IA errar e gerar danos à algum indivíduo, que é responsabilizado e responde por este dano?

É importante que, na implementação destas tecnologias que podem acelerar e simplificar em grande medida os processos do Poder Judiciário, estejam sempre presentes precauções e estruturas que possibilitem a revisão humana, a partir de uma governança de algoritimos [4], para impedir que as tecnologias gerem danos ou injustiças. É essencial que saibamos também diferenciar em quais situações a tecnologia ajuda e em quais situações a qualidade humana é insubstituível, não se deixando deslumbrar pelos feitos técnicos dos novos métodos e processos de Inteligência Artificial.

Este artigo “Inteligência Artificial no judiciário brasileiro foi escrito Por MSc. Graziela Brandão Rodrigo Glasmeyer

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Referências

[1] FRAZÃO, Ana e MULHOLLAND, Caitilin (coord.). Inteligência Artificial e direito: ética, regulação e responsabilidade. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

[2] HARARI, Yuval N. Homo Deus: a brief history of tomorrow. Harper: New York. 2017. p. 366.

[3] Adaptado de “O futuro da IA no sistema judiciário brasileiro”. André Corrêa de Almeida et al. Disponível em: https://itsrio.org/wp-content/uploads/2020/06/SIPA-Capstone-The-Future-of-AI-in-the-Brazilian-Judicial-System-1.pdf.

[4] DONEDA, Danilo e ALMEIDA, Virgílio. O que é governança de algoritmos? in: Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. Fernanda Bruno (coord.) et al. São Paulo: Boitempo, 2018.

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