Bafômetro e LGPD – Entendendo o caso
Um trabalhador do interior do Mato Grosso conseguiu, na Justiça do Trabalho, reverter a dispensa por justa causa após ter sido demitido sob alegação de “embriaguez em serviço”. O caso foi julgado pelo Juiz Andre Luis Nacer De Souza, da 1ª Vara do Trabalho de Dourados – MS. De acordo com o magistrado, a demissão, além de não configurar hipótese de justa causa, violaria o direito à privacidade do empregado à luz da LGPD.
A demissão por justa causa está prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e acarreta a rescisão do contrato de trabalho entre empregado e empregado sem que este último tenha direito a:
- Férias proporcionais;
- Aviso prévio;
- 13º salário;
- FGTS;
- Indenização de 40% do saldo do FGTS;
- Seguro desemprego;
Ou seja, o colaborador só terá direito a receber as verbas referentes ao saldo do salário dos dias trabalhados e as férias vencidas (caso existam).
No caso em questão, o empregador fundamentou a rescisão do contrato de trabalho no artigo 482, f, da CLT (que trata de embriaguez habitual ou em serviço), em razão de o autor ter sido flagrado em teste do bafômetro, cujo resultado foi de 0,078 mg de álcool por litro de ar.
Para o Juiz do caso, a justa causa teria sido mal empregada, visto que o resultado do teste do bafômetro seria ínfimo e até mesmo insuficiente para configurar uma infração de trânsito, não sendo, portanto, capaz de provar que o empregado estivesse embriagado no momento do exame. Além disso, não foram apresentadas provas testemunhais capazes de atestar sinais típicos de embriaguez no comportamento do colaborador.
O magistrado argumentou, ainda, que a empresa que submeteu o funcionário ao bafômetro descumpriu a LGPD ao não comunicar de maneira explícita a finalidade e a necessidade de realizar o teste.
O teste do bafômetro e a LGPD
De acordo com o artigo 5º da LGPD, em seu inciso II, considera-se dado pessoal sensível todo aquele que verse sobre “origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”.
Ainda de acordo com a lei, a coleta de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer diante das seguintes hipóteses:
A. quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas;
B. sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para:
I. cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;
II. tratamento compartilhado de dados necessários à execução, pela administração pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos;
III. realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais sensíveis;
IV. exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial, administrativo e arbitral, este último nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem) ;
V. proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro;
VI. tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária; ou
VII. garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular, nos processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos.
O resultado do teste de alcoolemia realizado pelo empregado a mando do empregador seria classificável como dado pessoal sensível relativo à saúde – o que exigiria que o empregador, na qualidade de controlador, ausentes os pressupostos para a coleta de dados sem autorização do titular, coletasse o consentimento livre, específico e informado do colaborador para a coleta de dados relativos à sua saúde.
Desse modo, de acordo com o magistrado, ao não informar de modo claro e compreensível ao funcionário o propósito da realização do teste de alcoolemia, nem tampouco coletar o consentimento do mesmo para a realização do referido teste, o empregador teria violado os artigos 6º, incisos I, III e VI, e 11 da Lei 13709/2018 da Lei Geral de Proteção de Dados.
Como resultado, a empresa foi condenada a pagar o aviso prévio indenizado de 30 dias e as demais verbas rescisórias, como férias proporcionais e a multa do FGTS, e mais indenização de R$ 5.000 por danos morais. A distribuidora recorreu ao TRT-24 (Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região), mas a contestação ainda não foi julgada.
Uso da LGPD em ações trabalhistas
De acordo com um levantamento feito pela Data Lawyer Insights, o uso dos termos da LGPD em ações trabalhistas vem crescendo. Em 2021, pelo menos 2.048 processos iniciados na Justiça do Trabalho citavam a lei e termos como justa causa ou danos morais em suas petições iniciais. A maioria desses processos ainda está pendente de conclusão.
Em dezembro passado, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST (Tribunal Superior do Trabalho) aplicou a LGPD para condenar uma empresa de logística em um processo iniciado pelo Ministério Público do Trabalho em 2018.
O que as empresas devem fazer para mitigar esse tipo de conflito com os seus funcionários?
Os caso mencionados ilustram a necessidade da observação sobre os reflexos da LGPD na área trabalhista, demonstrando a exigência da implantação de processos e regras que assegurem o direito à proteção de dados dos funcionários. Dessa forma, entre as principais ações para a mitigação de riscos relacionados à proteção de dados dentro das empresas, podemos citar:
- Realizar um mapeamento dos dados coletados e uma análise sobre a sua finalidade;
- Avaliar as vulnerabilidades da estrutura de armazenamento de dados utilizada e corrigi-las;
- Adequar os contratos de trabalho à LGPD, com a previsão do tratamento de dados pessoais e a sua finalidade;
- Contar com uma Assessoria Jurídica especializada em proteção de dados.